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Ernesto Vázquez Souza

Reservoir dogs

13:00 01/03/2010

Estrabón, que es harto Extranjero, pues fue oriundo de Creta y nació en Capadocia, confirma el dicho de Silio Itálico, llamando a los Gallegos gente sumamente guerrera y dificultosísima de conquistar: Bellacissimi, & subjugatu difficillimi. (B. J. Feijó, Teatro crítico, t. iv, “Glorias de España”)

Prezados e celebrados já pelos romanos, totem e brasão de guerra dos antigos Reis, doestados pelos árabes, espanto dos franceses e admiração de generais ingleses, inçaram outrora os vales e foram senhores nas montanhas. Dizimados por séculos de perseguição, e décadas de extermínio maciço, há muito que não os há em grandes grupos livres a vagarem pelos outeiros castrejos.

Ainda no século passado era possível toparmos alguns exemplares autóctones em áreas isoladas, mas próximas das vilas. Atualmente sob políticas não conservacionistas do Governo, ceivos pelos montes, ficam raros famélicos exemplares. Apenas já em Território Português é que se conservam grandes e formosas alcateias.

Temidos, sistematicamente tratados de pérfidos, ruins e cruéis, símbolo de tudo quanto oposto à civilização e ao progresso, não os entendem, não na sua antiga beleza e qualidades. Acham que andam ensimesmados, a dialogarem nas soleiras em estranhos colóquios cifrados, ouveando saudosos à Lua, fitando às sombras das suas liberdades monteiras ou apenas atentos ao que acontece em cada canil.

Nestes canis, nos artificiais, grandes como curros escavados no estilo dos fojos, há grupos deles, ferozes e alobados, atarefados decote nas claustrofóbicas reservas que são o seu mundo, a lutarem por migalhas que lhes atiram ou por desencontros produzidos pelo pouco espaço.

Perpetuando a espécie em escolha de hábitos guiada desde há séculos, encerrados, são alimentados para olhar como lutam e deste jeito apanhar ainda algum dos bons, que em Madrid têm mercado.

E cada vez menos nas fragas e outeiros, e os mais deles assilvestrados daqueles dos canis. Ao natural são seres sociais e não são tão violentos, moram em ambientes estritamente fechados na lealdade exigida de um único clã altamente hierarquizado, em que normalmente são largados aqueles que disputam o estabelecido.

Os solitários, desterrados de novos, se sobrevivem e chegam a idade adulta, acadam grandes portes, podendo em raros casos voltarem a disputar o território e a chefia do clã, do mesmo jeito que sucede com os retirados de cachorros, treinados longe e depois reintroduzidos de adultos nos canis.

Mas o mais frequente é nos casos de exemplares livres, permanecerem isolados, ou em pequenas famílias nómadas de diversos comportamentos e costumes, a monte pelas terras ermas longe de contacto com a sociedade, ou por de fora, com ocasionais migrações temporárias aos lares da sua natio.

E ainda que em cativeiro passem a vida de briga em briga, um por um são muito tranquilos e carinhosos, territorialistas, de grandes lealdades e observadores das estruturas piramidais; resistentes nos trabalhos, afazem-se com facilidade a qualquer clima, corredores e muito caçadores, ideais para guardarem a casa dos amos, o gado e a fazenda.

Por isso naqueles tratados de montaria que deixaram os Cronistas pode-se ver escrito que o melhor que aconteceu para a sua preservação foi a doma, quando vieram os aragoneses para Castela, gentes práticas que souberam apanhar os mais feros, daqueles que andavam sempre a lutar entre eles e despedaçavam os mais cativos, e ataram-nos com adivais à dura e sóbria mão castelhana e depois os soltaram para cuidarem das suas propriedades e defenderem os campos e as cortes da Europa e a América.

Desses cães tamanhos, aqueles famosos que antano comummente chamavam de Mahude, estes minguados palheiros, ainda igual de ferozes, que entre eles se ferem e matam, sem olharem mais longe nos canis entanto lambem e abanam a cauda à sóbria e dura mão que os levou outrora.

Por vezes, nos castros ao longe e nos montes do Sul, há como um vento que zoa. A Terra chama. E ainda algum nos canis resposta, ao mesmo tempo medorento e surpreso, apanhando-se em um livre impulso ouveante com sombra de lobo.

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(A Crunha, 1970) Da Academia Galega da Língua portuguesa, Doutor em Filologia Hispânica (secção de Galego Português), especialista em história do impresso galego na etapa contemporânea. Tem focado os seus contributos arredor do movimento das Irmandades da Fala, a figura de Angel Casal e o mundo do livro galego. Trabalha como bibliotecário na Universidade de Valladolid.
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